FALANDO DE PED

Por: João H L Ferreira

 

Mas afinal, o que é esse mal falado e odiado PED? Ele é necessário? Como surge? Como pode ser evitado? É obrigatório para todos os fundos?

 

O PED (Plano de Equacionamento de Déficit) é uma medida que deve ser efetuada, conforme Art. 21 da LCP-109/2001, sempre que o déficit atuarial, calculado no exercício, ultrapassar o preconizado em Lei.

 

Ele é necessário pois, o regime de capitalização preconiza (obrigatório, conforme Lei) que, os benefícios a serem pagos pelo fundos de previdência privada devem ser unicamente suportados pelo fundo garantidor de benefícios; ou seja: Os benefícios pagos aos participantes não tem outra fonte de custeio a não ser os do fundo garantidor, o qual o participante é parte contributiva.

 

Dessa forma, o PED é necessário pois, se não for sanado, o déficit irá tornar o fundo garantidor insolvente, impossibilitando-o de pagar os benefícios contratados. Essa é a maior função do PED: garantir a solvência do fundo garantidor de benefícios.

 

A melhor maneira de se evitar um PED é manter o fundo saudável. Isso é, fazendo com que o plano atinja as suas metas atuariais. Para isso, anualmente, antes do déficit atingir o ponto onde o PED seja obrigatório, pode-se instituir ajustes nas contribuições normais para compensar o déficit daquele ano.

 

Pode-se também ser criado uma reserva técnica para cobrir possíveis prejuízos, ou então contratar um seguro de performance, destinados a manter o fundo em operação, sem que haja necessidade de um PED.

 

Ajustes no nível de contribuição normal para uma cobrir aumento de pequenos aumentos de custo, antes de atingirem o nível onde o déficit obrigue as instituições a promoverem um PED, mantendo bem calibrado as premissas atuariais, permitem pequenas medidas corretivas antecipadas no presente, o que é infinitamente melhor do que uma grande medida futura.

 

Vale a pena lembrar que, somente os fundos que estão elencados na LCP 108, são os que tem o PED como obrigação em caso de déficits superiores ao limite legal. Fundos abertos, por exemplo, não precisam tomar essa medida.

 

Apesar da Lei não especificar, apenas os fundos de benefício definido, cujos os planos sejam, de alguma forma, patrocinados pelo Estado, é que, na prática, estão sujeitos ao PED. Isso por que esses são o único tipo de fundo sujeito a prejuízo em toda o seu ciclo de vida.

 

Um dos grandes problemas da legislação (LCP 109) é a confusão dada pela interpretação do que são gastos normais e gastos extraordinários, bem como a responsabilidade na cobertura dos mesmos. Além do mais, como exporemos, existe uma inconstitucional parcial no Art. 21, que disciplina as responsabilidades dos PEDs, sendo difícil integrar essa particularidade com o restante do ordenamento pátrio. 

 

Para elucidar essa questão, devemos primeiro nos recordar da história da previdência privada no Brasil.

 

Historicamente, a mão de obra necessária a operacionalização das primeiras estatais, que se tornaram gigantes, vieram do serviço público e das forças armadas, sejam contratados, sejam por cessão (que, em tese, seria temporária).

 

A maior parte dos primeiros trabalhadores gozava de estabilidade no emprego (Só poderiam ser demitidos em caso de falta grave), como também garantia de manutenção de renda baseado no salário da ativa.

 

Dessa feita, para retenção dos seus primeiros funcionários, as estatais tiveram que oferecer as mesmas vantagens aos funcionários de seus quadros.

 

No período de 1945 à 1970, os grandes fundos de pensão não existiam. Por isso, a garantia de renda suplementar a da aposentadoria era dada pela empresa via contrato de trabalho.

 

Essa formula, no entanto, obrigava a empresa a garantir com o próprio patrimônio a suplementação de renda do empregado, garantindo assim a manutenção de renda de seu colaborador.

 

Esse tipo de arquitetura deixava vulnerável as empresas, pois permitia ao empregado, caso não recebesse a devida suplementação, cobrar judicialmente da empresa os valores não pagos relativos a previdência privada a que tinha Direito.

 

Para solucionar esse problema, criou-se instituições para administrar os planos de pensão das estatais, o que iria ao encontro do princípio de terceirizar as atividades que não fossem relativos ao negócio da empresa (Nota: apesar do nome não existir, o princípio era o mesmo), bem como, pela estrutura contratual tripartite, deixar o patrimônio do patrocinador salvaguardado.

 

Fechando o assunto, a Lei 6435/77, que regulamentou a previdência privada no Brasil, atendeu a necessidade empresarial de manter à salvo o seu patrimônio das disputas judiciais e garantir os Direitos dos participantes.

 

Para isso criou instituições sem fins lucrativos, que seriam as administradoras dos planos. Também estruturou as relações desta com os participantes, através de um contrato de previdência privada, criando assim liame direto entre participante e a administradora, que se dava, além do contrato, pelo regulamento do plano e o regimento da instituição. Além do mais, vinculou a administradora ao patrocinador, através do contrato de adesão, não havendo assim contrato direto entre participante e patrocinador.

 

Com esse movimento, as estatais instituíram administradoras, que criaram planos tipo BD para garantia do valor da renda do participante no momento da aposentadoria, absorvendo os empregados com liame previdenciário em seus contratos de trabalho.

 

Dessa feita, o participante de planos de pensão, patrocinados por empresas estais, nos final dos anos 90, época da EC-20, tinham contratos de previdência privada garantidos por fundos tipo BD, cujo patrocinador tinha responsabilidade de cobertura de déficit. Junto com esses contratos, devido a existência de empregados mais antigos, anteriores a criação do fundo, tinham também contratos previdenciários vinculados ao contrato de trabalho.

 

No início do novo milênio (anos 2000), a LCP 109 regulamentaria os Direitos desses dois grupos e traçaria as regras das relações entre as partes envolvidas na previdência privada.

 

 

A

 

 

vale a pena acompanhar um plano de pensão hipotético, tipo benefício definido, patrocinado pelo governo, administrado por entidade fechada sem fins lucrativos, antes da vedação legal de criação de novos planos desse tipo.

 

Para modulação do plano, são feitos estudos das características do patrocinador e dos possíveis participantes. Esse estudo irá indicar o nível de contribuição necessária para a manutenção da estrutura da entidade, acrescido dos valores para a formação do fundo garantidor de benefícios.

 

Dessa forma, enquanto não houver o pagamento do primeiro benefício de prestação continuada, os participantes estarão realizando contribuições normais, constituídas de duas parcelas: Uma para a manutenção da estrutura de administração do fundo, outra para a formação de patrimônio necessário ao suporte do pagamento de benefícios futuros.

 

Essas contribuições estão sujeitas a paridade contributiva, com forme Art. 202 da constituição que fazem parte do plano de custeio. Essa fase chama-se fase de acumulação.

 

 

LCP 109/2001

"Art. 18. O plano de custeio, com periodicidade mínima anual, estabelecerá o nível de contribuição necessário à constituição das reservas garantidoras de benefícios, fundos, provisões e à cobertura das demais despesas, em conformidade com os critérios fixados pelo órgão regulador e fiscalizador."

 

Na fase de acumulação, o participante não tem Direito Adquirido, mas sim Direito Acumulado, que é representado pela reserva matemática ou soma de contribuições, os quais ele pode converter em benefício proporcional ou em valor a ser portado para outro plano.

 

Com o passar do tempo, no entanto, o participante terá cumprido todas as exigências para obter determinado benefício. Nesse momento, os valores acumulados poderão ser utilizados para a obtenção do dito benefício. No momento em que o participante cumpre todos os requisitos para adquirir o benefício, diz-se que o participante passa a ter o Direito Adquirido ao benefício, podendo exigí-lo a qualquer momento.

 

Ao exercer o Direito ao benefício, o participante transforma o seu Direito Adquirido em Direito Consumado, passando a ter o direito de receber mensalmente o benefício contratado.

 

Com o pagamento do primeiro benefício de prestações continuadas, o fundo começa a fase de pagamento de benefício.

 

Embora os fundos tipo BD possam apresentar déficit em qualquer fase, o mais comum é na fase de pagamento de benefícios; onde aparecem as contribuições extras e as extraordinárias.

 

Assim, a depender do tipo de contribuição, em que fase o fundo está, o tipo de Direito do participante tem sobre suas reservas, teremos soluções diferentes na cobertura do déficit.

 

Para prosseguir, primeiro necessitamos dominar o conceito e a diferença entre as contribuições ordinárias e extraordinárias.

 

Conforme LCP 109:

Art. 19. As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.
Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:
I - normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e
II - extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal.

 

Dessa feita, todos os dois tipos de contribuições objetivam a constituição de reservas destinadas ao pagamento de benefícios futuros aos participantes. As contribuições normais para custeio dos benefícios, as extraordinárias para cobertura do déficit e outras finalidades não incluídas nas contribuições normais.

 

Mas o que é mesmo déficit? O déficit ocorre quando as obrigações do plano de benefícios ultrapassa a previsão de receitas (Ativo).

 

 

 

Existe um grande engodo das patrocinadoras ligadas a entes / empresas estatais: É o sustentar da posição de que existe vedação constitucional das mesmas para cobertura de déficits que não seja paritaria com os participantes.

 

O engodo está no fato de que a única vedação constitucional de contribuições fora da paridade, expressa no Art. 202, é quanto as contribuições normais. A constituição não veda (é silente) quanto as extraordinárias (Destinadas a cobertura do déficit)

Desse ponto em diante, exporemos a maior violação de Direitos Humanos no Brasil: Um verdadeiro genocídio de aposentados instituídos pela LCP 109/2001 na figura do PED (Plano de Equacionamento de Déficit).

 

A LCP109 preceitua obrigação paritária entre patrocinadores e participantes, destinadas a cobertura do déficit dos fundos de pensão.

 

Um dos grandes equívocos dos operadores do Direito de hoje é tentar sustentar a afirmação de que a constituição limita o Patrocinador a paridade nas  contribuições destinadas a cobertura do déficit, quando, na verdade, a constituição limita a responsabilidade do patrocinador nas contribuições normais, sendo silente quanto as extraordinárias.

 

O silêncio constitucional levou-os a interpretação de que a paridade se estendia a todo tipo de contribuição.

 

Para entender a questão, vale a pena recorrer ao trabalho do ilustre procurador da feral junto à PREVIC, em questão, o qual  endossa essa interpretação: Leonardo Vasconcellos Rocha, Procurador Federal, Coordenador de Consultoria e Assessoramento Jurídico da Procuradoria Federal junto à PREVIC, na Revista da Procuradoria Geral da União em 2013.

 

Apesar de equivocada a conclusão, Leonardo Vasconcelos faz um boa exposição sobre as motivações da EC-20 e das LCPs 108 e 109. Segue trecho de seu artigo:

 

"Depreende-se dos dispositivos colacionados, que a paridade contributiva é exigível para as entidades fechadas de previdência complementar patrocinadas por órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, inclusive empresas públicas e sociedades de economia mista. Em especial, destaca-se a prescrição do § 3º do art. 202 da CF, incluída pela Emenda Constitucional 20/98, a qual impõe sua observância entre a contribuição normal das “patrocinadoras públicas” e dos segurados."

 

"Eis os principais delineamentos do novo instituto idealizado pela Emenda Constitucional 20/98. Pelos contornos apresentados, é possível perceber que se trata da concretização de uma medida voltada para a redução de dispêndios públicos e para uma racionalidade na gestão dos recursos públicos."

 

"Na literatura jurídica, convergem os entendimentos[2] a respeito da Emenda Constitucional 20/98, no sentido que a nova diretriz constitucional visa eliminar os exageros que ocorriam: situações em que os patrocinadores públicos chegavam a contribuir em proporções muito superiores às contribuições dos participantes."

 

Leonardo Vasconcelos, no entanto, chega a conclusão de que a paridade contributiva não está restrita as contribuições normais, sob o argumento de que contribuição normal relativo ao § 3º do art. 202 tem significado diferente da contribuição normal do art. 19 da LC 109.

 

"Não há, desse modo, possibilidade de se contrapor o conceito de contribuição normal inscrito no citado § 3º do art. 202 ao de contribuição extraordinária previsto no art. 19 da LC 109, pois esta antonímia parte do falso pressuposto de que a contribuição normal deste mesmo art. 19 teria o idêntico significado da contribuição normal do Texto Constitucional, o que, de certo, não se sustenta. Trata-se de concepções absolutamente distintas, na medida em que, como dito, a LC 109 é absolutamente estranha ao instituto inscrito no § 3º do art. 202 da Constituição"

 

Continua Vasconcelo:

"Portanto, pode-se afirmar com segurança que:

a) a paridade contributiva, prevista no § 1º do art. 6º da Lei Complementar 108/2001 não se restringe às contribuições normais a que se refere o inciso I do parágrafo único do art. 19 da LC 109/2001; e

 

b) esta determinação, prevista no § 3º do art. 202 da Constituição Federal e reproduzida no citado art. 6º, deve ser aplicada a toda e qualquer contribuição efetuada por patrocinador sujeito à disciplina da LC 108/2001, independentemente da classificação que lhe seja dada pela LC 109/2001.

 

Do trabalho do nobre procurador, podemos tirar a certeza de que o teto da obrigação paritária do Art.202 da CF é exigível para as entidades fechadas de previdência complementar patrocinadas por órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, inclusive empresas públicas e sociedades de economia mista, não estando limitados outros patrocinadores a referida paridade, podendo inclusive arcar com 100 por cento do valor das contribuições..

 

Isso implica, por exemplo, que patrocinadores de planos administrados por entidades abertas não estão sujeitas a restrição paritária das partes envolvidas, podendo, inclusive, no caso, o patrocinador arcar, inclusive, com 100 por cento total das contribuições.

 

Essa interpretação, porém, encontra dificuldade de integração com o restante do ordenamento jurídico e da realidade fática e histórica da previdência privada no Brasil, como exporemos abaixo.

 

Em uma coisa Leonardo Vasconcelos acertou em cheio: A restrição da paridade tem o claro objetivo de limitar os gastos do governo com a previdência privada de fundos tipo BD, onde o mesmo seja patrocinador, seja na forma entes ou empresas.

 

Obs: Hoje, empresas e entes ligados ao Estado estão proibidas de ofertarem planos do tipo BD aos seus empregados.

 

 

SITUAÇÃO ATUAL:

Devido as suas características próprias, os planos BD geraram déficits. Com a LCP 109, esses déficits tiveram que ser cobertos, paritariamente, pelos participantes e patrocinadores.

 

Essa receita sobrecarregou os participantes, em especial os assistidos e beneficiários, que tiveram sua renda prejudicada devido aos descontos dos PED (Plano de equacionamento de déficit),  gerando grande problema social.

 

Além do mais, depois do fechamento para entrada de novos participantes, muitos planos se tornando inviáveis devido a diminuição do número de participantes, seja por morte, retirada, e outros fatores.

 

À posteriori, outras empresas resolveram também pedir a retirada de patrocínio, abrindo processos na PREVIC com esse intuito.

 

Em 2024, devido ao grande número de processos de  retirada de patrocínio, a PREVIC emitiu um conjunto de novas regras para essa retirada e devolveu todos os processos para que os patrocinadores se adaptassem as novas regras.

 

Apesar do esforço dos participantes de buscarem um entendimento junto as patrocinadoras, por haverem procedimentos legais e aprovação das entidades reguladoras, que funcionam como barreira ao sucesso do empreendimento, bem como a complexidade do assunto e do encontro de uma solução para que o patrocinador pudesse aportar dinheiro ao fundo, contornando a vedação constitucional da paridade e sem implicar em possível assunção de culpa pelo déficit.

 

Isso tudo posto, vamos voltar as explicações necessárias sobre o PED.

 

 

 

 

 

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